Filha é presa acusada de roubar da mãe R$ 725 mi, incluindo quadro de Tarsila
Entre os quadros estão obras de Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. Também foram roubadas joias e feitas transferências bancárias.
(FOLHAPRESS) – Uma mulher foi presa no Rio de Janeiro sob suspeita de roubar da própria mãe mais de R$ 725 milhões, a maior parte em obras de arte. Entre os quadros estão obras de Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. Também foram roubadas joias e feitas transferências bancárias.
A idosa, a francesa Geneviève Rose Coll Boghici, tem 82 anos e foi mantida em cárcere privado por cerca de um ano. A suspeita dos crimes é sua filha, Sabine Coll Boghici, que tentou carreira como atriz e cantora e ostenta um ativismo ferrenho de protetora de animais.
Ao todo, quatro pessoas foram presas por agentes do DEAPTI (Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade): Sabine, a filha; Rosa Stanesco Nicolau, conhecida como Mãe Valéria de Oxóssi e companheira de Sabine; Gabriel Nicolau, filho de Rosa; e Jacqueline Stanescos. Estão foragidos Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletic e Eslavo Vuletic, pai de Diana.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos detidos e dos considerados foragidos.
O cálculo dos R$ 725 milhões inclui as obras de arte avaliadas pela vítima em aproximadamente R$ 710 milhões, joias roubadas estimadas em R$ 6 milhões, pagamentos de R$ 5 milhões feitos pela francesa após ser enganada e de outros R$ 4 milhões feitos sob suposta coação e ameaça.
A polícia foi a 14 endereços e divulgou ter recuperado 11 obras de arte embaixo de uma cama na casa de Rosa Nicolau, onde também estava Sabine. A galeria Jean Boghici, em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, onde ficava parte das obras, está vazia, com sinais de abandono e sujeira.
Foram roubados e vendidos 16 quadros para galerias de arte. Uma das galerias, que fica em São Paulo, comprou três obras com valor estimado em R$ 300 milhões.
Ainda segundo a polícia, pelo menos duas dessas obras foram revendidas para o Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires): “Elevador Social”, de Rubens Gerchman, de 1966, e “Maquete para o Meu Espelho”, de Antonio Dias, de 1964. Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, o fundador do museu, Eduardo Costantini, afirma no entanto que as aquisições foram feitas para sua coleção privada, e não para o acervo do museu.
O dono da galeria de arte paulista disse à polícia que não desconfiou de que as obras eram roubadas da idosa. Ele afirmou conhecer a família e ter recebido os quadros da própria filha da proprietária.
O perito Nilton Taumaturgo, do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, fez uma avaliação preliminar das obras e atestou o valor dos quadros encontrados. “Posteriormente, será feita uma avaliação mais complexa laboratorial. É incontestável que as obras são verdadeiras. Apenas uma obra está com a moldura danificada”, afirmou o perito.
A idosa foi casada com o romeno Jean Boghici, que era colecionador e negociador de arte, e herdou os quadros após a morte do marido, em 2015. Sabine, a mulher presa suspeita dos crimes, é filha do casal.
Em setembro de 2012, um incêndio destruiu parte do acervo do casal, que vivia em uma cobertura em Copacabana, na zona Sul do Rio. Entre as perdas estavam obras importantes de artistas como Di Cavalcanti e Alberto Guignard, respectivamente “Samba” (1925) e “A Floresta”.
Também foram perdidas as obras “A Mulher e o Galgo”, de Vicente do Rego Monteiro, “A Leitura”, de Lasar Segall, uma tela do uruguaio Joaquín Torres-García e outra do francês Nicolas Antoine Taunay.
Cerca de 15 das 150 obras do acervo do casal Boghici foram queimadas na ocasião. Entre as pinturas que se salvaram do incêndio estão três obras de Tarsila do Amaral e a famosa “O Beijo”, de Rodin, da década de 1880.
O casal tinha 14 gatos e dois cachorros. Dois gatos morreram no incêndio. “Foi o pior de tudo. Perdemos nossas gatinhas prediletas”, disse Geneviève ao jornal Folha de S.Paulo na época.
CARTOMANTE
De acordo com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, a idosa foi abordada por uma mulher que se passou por Diana Vuletic, que disse ser vidente e ter visto que sua filha estava doente e morreria em breve.
“Por ter um lado místico e uma filha que enfrenta problemas psicológicos desde a adolescência, a idosa foi convencida, inclusive pela filha, a realizar os pagamentos solicitados para o tratamento espiritual proposto”, divulgou a polícia.
A quadrilha de falsos videntes agia havia cerca de 20 anos e convenceu a idosa de que as obras estavam amaldiçoadas. ”Quando os quadros foram retirados da casa, a cartomante Rosa convenceu a idosa de que as obras estavam amaldiçoadas”, diz o delegado Gilberto Ribeiro, que foi procurado pela idosa no começo de 2021 para denunciar a situação de isolamento.
Entre janeiro e fevereiro de 2020, foram realizadas pelo menos oito transferências no valor de R$ 5 milhões. O valor total das joias roubadas é estimado em R$ 6 milhões.
Depois desses pagamentos, feitos nas contas do pai e do sogro de Diana Vuletic, a filha começou a isolar a mãe da convivência com outras pessoas e dispensou os funcionários da casa, o que fez a francesa desconfiar e parar de fazer os depósitos.
De acordo com as investigações, Sabine começou então a agredir e ameaçar Geneviève, além de negar-lhe comida, para forçá-la a fazer as transferências. Sob a desculpa da pandemia, ela não podia ver nem ligar para ninguém, a não ser as pessoas que faziam o tratamento espiritual.
A filha chegou a colocar uma faca no pescoço da mãe diversas vezes, segundo o depoimento da idosa, enquanto, ao telefone no viva voz, a companheira Rosa a mandava matar.
A partir de setembro de 2020, sob essa suposta coação, foram feitos mais 38 pagamentos somando R$ 4 milhões ao filho de Rosa.
Nesse período, a mulher passou a frequentar a casa, ameaçando amaldiçoar e agredir Geneviève se ela não obedecesse. Foi aí também que a companheira da filha começou a levar objetos de valor do apartamento, incluindo os 16 quadros, dizendo que eles estavam amaldiçoados e precisavam ser rezados.
De acordo com Gilberto Ribeiro, o cárcere privado se encerrou em abril de 2021. A vítima demorou um ano até fazer a denúncia. “O idoso é vulnerável, e quando ele tem valores altos em conta ele se torna um alvo”, diz.
A polícia diz que as obras serão restituídas à proprietária após uma análise em laboratório sobre o estado de conservação. De acordo com o delegado, haverá uma nova avaliação para aferir o valor dos quadros.
Os suspeitos serão indiciados por suspeita de associação, cárcere privado, estelionato e roubo e extorsão, contou o delegado.
QUAIS AS OBRAS FORAM SUBTRAÍDAS E RECUPERADAS
Encontradas na casa de Rosa Stanesco Nicolau, companheira de Sabine
1 – “Ela”, aquarela de Cícero Dias, avaliada em R$ 1 milhão
2 – Aquarela em papel sem título, de Cícero Dias, avaliada em R$ 1 milhão
3 – “Sol Poente”, de Tarsila do Amaral, avaliada em R$ 250 milhões
4 – “Pont Neuf”, de Tarsila do Amaral, avaliada em R$ 150 milhões
5 – “Retrato”, de Michael Macreau, avaliada em R$ 150 mil
6 – “Rue des Rosiers”, de Emeric Marcier, avaliada em R$ 150 mil
7 – “Eglise Saint Paul”, de Emeric Marcier, avaliada em R$ 150 milDevolvidas pela galeria de São Paulo
1 – “O Menino”, de Alberto Guignard, avaliada em R$ 2 milhões
2 – “Mascaradas”, de Di Cavalcanti, avaliada em R$ 1,5 milhão
3 – “O Sono”, de Tarsila do Amaral, avaliada em R$ 300 milhõesVendidas para o Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires)
1 – “Maquete Para Meu Espelho”, de Antônio Dias, avaliada em R$ 1,5 milhão
2 – “Elevador Social”, de Rubens Gerchman, avaliada em R$ 1,5 milhãoOutras
1 – “Porto de Pesca em Hong Kong”, de Kao Chien-Fu, avaliada em R$ 1 milhão
2 – “Coruja ao Luar”, de Kao Chi-Feng, avaliada em R$ 1 milhão
3 – “Mulher na Igreja”, de Ilya Glazunov, avaliada em R$ 500 mil
4 – Desenho representando uma paisagem, de 1935, de Alberto Guignard, avaliada em R$ 150 mil